sábado, 15 de outubro de 2011

Uma promessa não cumprida

Como é fácil perceber, não fiz aquilo à que me propus. Não coloquei no teclado minhas considerações diárias, não consegui superar aquela minha dificuldade de que falei no post acima, de alguns bons meses atrás. Minha dificuldade em tornar público se impõe. 
            Mas se imporá nos próximos dias? Espero que não. Já faço com que não. 
            A próxima postagem é vaga. A princípio, não defini tema...
            Queria falar/escrever um pouco sobre uma experiência nova que tive esses dias. Fui à psicóloga essa quinta-feira. Vou começar a fazer análise. Sempre quis, desde os 17, mas minha mãe nunca permitiu. Dizia que nós mesmos devemos resolver nossos próprios problemas. Como nunca tive meu próprio dinheiro, e mal tinha minha independência, obedeci. E tentei me convencer sempre disso. Os grandes e pequenos conflitos sempre vieram, e mesmo sem um psicólogo, os gerenciei, a minha maneira, sozinha, e tentei resolver. Muitos desses conflitos foram intermináveis, inaceitáveis e insuportáveis. Outros, resolvi, do meu jeito. Saudável ou não, ainda persistem alguns fantasmas bem remotos. Outros, novos, novíssimos, ilustres, desconhecidos e atuais  se fazem, a cada retomada, presentes.
A vida psíquica sempre foi meu maior problema. Minha maior dificuldade. As relações sociais, a lógica dos comportamentos, a conseqüência de atos e palavras, a maneira de se abordar, a naturalidade de uma  conversa ou um novo amigo sempre me assustaram. Me amedrontaram mesmo. Às vezes, timidez chega a ser fobia. Os mudos da fileira da parede da 5ª série me entendem. As revistas de psicologia me entenderam. Quando menor, aos 16, 17, me confortava ao ler matérias na revista Mente e Cérebro, que quase foi responsável pela minha escolha em Psicologia, no vestibular. Quase. Prestei Audiovisual. Não passei. Faço Artes Plásticas, Visuais, pros mais modernos.

Enfim, o caso é que  comecei esse semestre a fazer uma disciplina na Psicologia, chamada Freud e Foucault: interlocuções pertinentes. A matéria tem me parecido bastante interessante, apesar da minha ignorância na área. Foi aí que decidi começar psicólogo também. Mas algumas questões começaram a me inquietar no mísero contato que tive com esse campo.
A primeira inquietação foi ao ler um texto de Freud, intitulado A dissolução do complexo de Édipo. Só pra pontuar um trecho e uma reflexão de leiga, cito:

O desenvolvimento sexual de uma criança avança até determinada fase, na qual o órgão genital já assumiu o papel principal. Esse órgão genital é apenas o masculino, ou mais corretamente, o pênis; o genital feminino permaneceu irrevelado [...] Quando o interesse da criança (do sexo masculino) se volta para os seus órgãos genitais, ela revela o fato manipulando-os frequentemente, e então descobre que os adultos não aprovam esse comportamento. Mais ou menos diretamente, mais ou menos brutalmente pronunciam uma ameaça de que essa parte dele, que tão altamente valoriza, lhe será tirada. Geralmente é de mulheres que emana a ameaça; com muita freqüência elas buscam reforçar sua autoridade por uma referência ao pai ou ao médico, os quais, como dizem, levarão à cabo a punição. [grifo meu]

E aí o autor segue. O que achei muito interessante observar é que Freud trata do Complexo de Édipo como um fenômeno “inato” e “hereditário”, nas próprias palavras do psicanalista. Mas temos, nesse parágrafo acima, uma série de considerações bem significativas sobre comportamentos humanos. Sociais, melhor dizendo.
Assim, primeiro ele cita o desenvolvimento do órgão sexual. Mas é o órgão sexual masculino. Apenas o masculino. No início desse texto, Freud não trata das questões relativas ao órgão feminino. E, segundo pesquisadora renomada com quem tenho aula, em grande parte de sua obra, ele também não o faz. Mas o fará, pisando em ovos[1], ainda nesse texto, mais pra frente, onde cito já em breve[2].
Depois se diz que a ameaça de castração ao menino vêm geralmente das mulheres. Mas quem levará à cabo a punição é um homem (médico ou pai). E se diz ainda que a autoridade da mulher (mãe, etc.) é reforçada pela de um homem.
 
O clitóris na menina inicialmente comporta-se exatamente como um pênis, porém, quando ela efetua uma comparação com um companheiro de brinquedos do outro sexo, percebe que ‘se saiu mal’[3] e sente isso como uma injustiça feita a ela e como fundamento para inferioridade. [grifo meu]

Ele ainda diz que a criança (menino) valoriza altamente seu pênis. O que fico me perguntando é: por que o menino valoriza? É inata essa valorização? Ou é uma questão de valoração? Os valores que se constroem e se mantêm numa sociedade. Que são criados pela sociedade. Seria ingênuo ou maldoso afirmar que não se super valoriza o pênis. Até mesmo chegando a oprimi-lo, por esperar dele super poderes, o desempenho máximo: nunca brochar. E, por outro lado, por que a menina ‘percebe que se saiu mal’? Por que não valoriza sua vagina? É porque ela não aumentou de tamanho? E no final das contas, estamos falando de que? De desenvolvimento sexual, prazer ou de valores atribuídos a tamanhos? Jean Piaget, diz que a criança entende existência e importância pelo lugar que as coisas ocupam no espaço. Isso explicaria a negligência e abordagem dos estudos sobre a sexualidade feminina, e seu órgão genital, a vagina. Mas se tomarmos tal argumento, encontramos um furo: na medida em que o pênis do menino cresce, os seios da menina também crescem. E os seios, como bem sabemos, estão estritamente ligados à formação e desenvolvimento sexual da menina/mulher – tanto no sentido da sua função de prazer sexual, quanto no sentido de mantenedor da reprodução da espécie.
Para completar, Freud fala em ‘inferioridade’ da mulher por ser castrada, não possuir pênis. E atentemos em que contexto! ‘Fundamento para inferioridade’. É o famoso conceito freudiano de inveja do pênis. Como se a leitura construída sobre a característica morfológica fosse necessariamente o significado, a verdade inquestionável da condição morfológica.
            Bom, só por aí, me pergunto: Freud, quando fez essas análises - estava sendo empírico, e disso nem eu duvido – mas o psicanalista encarou tais comportamentos analisados como inatos, hereditários, dados a priori, ou como reflexos de comportamentos sociais construídos e respaldados por regras sociais? A construção social interferiria na atividade psíquica, ou seria o inverso? Sendo o inverso, o pênis é de fato um grande valor, e mulheres, são sem dúvida, seres incompletos, nas palavras do próprio autor, “inferiores”.
            Que todos os comportamentos e juízos de valor analisados no comportamento humano por Freud podem ser tranquilamente chamados de machistas, eu não tenho dúvida.  O que me preocupa e inquieta é saber se o autor tomava tais análises do ponto de vista antropológico, histórico, cultural e mutável, ou se entende que essas situações que se repetem são dadas, inatas, e sempre vão ser assim, pois são da “natureza humana”.
            Pontuo isso porque recentemente tive contato com materiais aterrorizantes a respeito da idéia e valor que grandes pensadores, escritores, pintores, filósofos e cientistas expressavam terem de mulheres em citações bem selecionadas. Mas essa reflexão fica pra uma próxima postagem. E pra gerar curiosidade. ;)
(continua)


[1] “Deve-se admitir, contudo, que nossa compreensão desses processos de desenvolvimento em meninas em geral é insatisfatório, incompleto e vago”, Freud, pg 224.
[2] Também vale a leitura, para mim e para @ leito@r interessad@, dos textos Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos, 1925, p. 309 em diante (artigo) e Sexualidade feminina, 1931, onde o autor trata com mais atenção a questão da sexualidade feminina.  
[3] Literalmente ‘saiu-se pequena demais’.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Um oi inicial

Nunca fui boa com as coisas públicas. Com os discursos, com as exposições, com apresentações, recados, informes. Nunca gostei da idéia de que mais do que a meia-meia dúzia de poucos amigos meus ouçam, vejam ou sintam algo que venha de mim. As leituras em sala, os grupos de teatro, as apresentações de seminário sempre me reviraram o estômago. Nunca fui da "galera", de entrar no bar gritando pro dono descer as cervejas. Só depois de três cervejas.

Sempre escrevi, mal, no escuro, às escusas, escondido. Houve épocas em que escrevi mais, outras, quase nada. Um vez um amigo me perguntou se eu tinha um diário, se escrevia minhas "experiências''. Respondi que sim. Então ele perguntou se eu não tinha vontade de publicar, e eu respondi que não. E fiquei quieta. Mas pensei comigo: tem coisas que a gente não escreve pra serem lidas. Tem coisas que a gente escreve por que precisa escrever. Escrever pra mim, na verdade, sempre foi mais uma questão de que eu nunca frequentei analista do que de qualquer outra coisa. Às vezes resolve. Às vezes não. Mas sempre vale a pena. Tem vezes que escrever é como passar cândida na alma. Que me desculpem a comparação. Sou uma neurótica irremediável.

E contra toda minha prática de vida, por que uma hora ou outra a gente acaba sentindo necessidade de mudar, vou tornar públicas minhas besteiras mal formuladas e desembestadas. Dessa vez, no teclado.