terça-feira, 22 de maio de 2012

Marcha das vadias.

Mas por que usar essa palavra? Uma palavra tão horrível ofende qualquer mulher e horroriza qualquer pessoa. Mas por quê? Qual o significado dessa palavra? Para que ela é usada?

Essa é a questão. Vadia é uma palavra muito forte sim. É forte porque ofende muitíssimo. É forte porque remete ao pior tipo de papel que uma mulher poderia desempenhar: o da prostituta, objeto sexual, vagabunda jogada às ruas, às traças. Um ser que jamais será amado por ninguém porque não é digno. Uma figura suja, em quem devemos cuspir.

É a mulher que abre a perna pra qualquer cara. Ou pra todos. É a mulher que vulgariza e mostra todas suas curvas, as partes mais íntimas, na rua. É a que desfila despudorada seu corpo infame e sujo (sujo porque à olhos vistos e alcançável). Não dizem que damos mais valor a tudo que não podemos ter? Pois a vadia é justamente a personificação daquilo que podemos ter facilmente e do valor que ganha por isso: nenhum.


A grande maldade desse discurso todo está no fato de que desconsideramos esse ser ‘infame’ enquanto ser ativo, possuidor de desejos e definidor de seus próprios passos. O terrível jogo de lógica que o moralismo dominante em nossa sociedade faz é o de tornar a mulher um bibelô intocável, boneca rosa de porcelana, quebrável, vagina transformada em tabu, sexo feminino transformado em tabu, desejo feminino transformado em tabu. O masculino? Solta à vontade. E institui uma sociedade heterossexual. Pronto. Está posta a barbárie. Você cria mulheres assexuadas (ou com desejo sexual bastante reprimido, a ponto de só ser ativado - artificiosamente - no momento de satisfazer o desejo masculino) pra homens totalmente sexuados. Mas as coisas não andam funcionando bem assim. Algumas mulheres levantaram-se com desejos também. Sexuais. Mas não basta terem direitos? Agora querem direito ao sexo também? Pois foram justamente essas mulheres que se levantaram e que não assumiram o papel de boneca de porcelana, quebrável, indefesa, ‘inviolável’, com pouca ou nenhuma libido sexual, foram essas mulheres que receberam a denominação ‘vagabunda’. Vadia. Prostituta. Puta. Mulher da vida. Não vale nada. Nada.

Mulheres que falam de sexo, sim. Ou que não usam o meio tom da etiqueta pra conversar. A posição certa das pernas pra sentar. Que não falam baixo nem tocam pianinho quando um homem as ofende. Ou que sabem o que querem e quando querem. Que podem querer muito sexo. O suficiente, e vão pedir. Mulheres que pedem sexo? Mas não era papel pros homens? Em que mundo vamos parar? Os valores não são mais como os de antigamente... Mulheres que desempenham funções ditas masculinas, como seguir carreira, e virar chefe. Ou mulheres que decidiram que não querem filhos, simplesmente porque perceberam que não seriam felizes assim. Ou que decidiram que não querem casar. Ou que não farão para seus maridos o serviço doméstico que cabe a eles. Ou que não admitem que seus filhos sejam criados quase exclusivamente por elas. Que não admitem que os maridos tenham amigos de bar de sexta-feira, quando a recíproca não procede. Mulheres que não admitem que seu corpo seja tratado como mercadoria exposta em prateleira pelos outdoors, bancas de jornal, propagandas e programas da tv, filmes e piadas. Mulheres que não admitem que seu corpo seja sexualizado banalmente e SEM seu próprio consentimento. Que não admitem que sejam os homens que tomem decisões pelo seu corpo. Que não admitem e não vão admitir que homens tomem liberdades que não têm com seu corpo (da mulher).


Marcha das Vadias de Campinas - 24/09/11


Uma das organizadoras da Marcha no Amapá

Mulheres que não vão admitir serem desvalorizadas, ridicularizadas, ofendidas e agredidas por tomarem todas essas decisões.

Mulheres que admitiram, sim, serem chamadas de vagabunda, vadia, piranha apenas para que o significado funesto dessas palavras seja desconstruído, e pra que essas palavras percam a valoração tão carregada de preconceitos e moralismos que carregam consigo.

Pra que, enfim, não haja mais palavra que contenha uma valoração de um tipo social (a mulher livre), uma valoração tão carregada de desigualdades e opressões e pra que os sentidos infames a que essa palavra remete sejam designificados.

O mesmo se passa com as imagens. Mas pra que as moças têm de ir pra marcha parecendo putas? Por que com sais tão curtas? Com tops tão à mostra? Meia arrastão?
Pra que a mesma imagem estereotipada seja quebrada e pra que adaptemos nossos olhos a verem seios à mostra sem pensar automaticamente em chupá-los. Pra que adaptemos nossos olhos a verem bundas aparentes em calças apertadas sem associar à objeto sexual. Pra que possamos assim, ressiginificar as imagens também e, entender que:


Marcha das Vadias de Buenos Aires - 19/08/11

- primeiro: um corpo pode ter milhares de funções que não a sexual – o corpo nu se apresenta na arte, em forma de danças, de desenhos de pinturas, fotografias/ corpo dos atletas que medem toda sua capacidade de resistência e velocidade/ corpo que sente a brisa do vento na barriga e peito e genitália.

- segundo: mesmo que a pessoa queira sexualizar seu corpo quando põe uma saia curta, ela não está oferecendo ele pra todos na escolha da roupa, mas sim apenas na hora em que deixar isso claro. Uma saia não é em si já um convite sexual pra todos. É, pode ser, uma vontade de ser atraente para alguém ou para muitos. Mas qualquer passo à frente deve ser feito com o CONSCENTIMENTO DAS PARTES.